Ser

Há pessoas que têm muito, quase tudo. Há pessoas que têm pouco, quase nada. Todos o sabemos, todos convivemos com isto de modo mais ou menos indiferente. Se calhar é uma espécie de inevitabilidade da vida, isto do tudo-nada, uma tentativa de homeostasia para garantir a existência humana. Gostava mesmo que me explicassem isto, ainda não percebi muito bem. Mas hoje o que quero mesmo é escrever sobre o verbo ser, não como palavra para exprimir a existência, sim para reflexão sobre o sentido de pertença. Porque me lembrei há pouco de algo que me ocorreu um destes dias. Há pessoas que não pertencem a ninguém. Já não são filhos e nunca foram pais de ninguém. Não são irmãos nem cunhados, não são colegas nem primos de ninguém, não são avós, já não são netos, não são alunos nem mestres, não são amigos, nem sequer vizinhos de ninguém. É como se, pura e simplesmente, tivessem sido colocados no mundo e aí existam, transparentes, dando passos sem deixar pegadas, expressando-se com palavras que ninguém ouve ou gestos de que ninguém se apercebe. Alguns, por vezes confundem o ser com o ter e desfilam orgulhosos a ostentação da sua propriedade, mas dá-me a impressão de que não percebem que os outros só conseguem ver as coisas magníficas que exibem e que eles próprios continuam invisíveis para o mundo. E depois há os outros, os que não confundem os conceitos, simplesmente porque não conhecem a palavra ter e que, simultaneamente,  também deixaram de ser. É sobre esses que escrevo, é um desses que conheci há uns tempos. O Luís é pobre, não tem dinheiro, só tem um casaco e um par de sapatos, nem sempre come uma vez por dia e vive num barraco com uma janela tapada com rede de galinheiro. Para além disso, o Luís não é de ninguém porque ninguém lhe chama seu. 

Comentários

  1. A janela, as redes como grades que tanto nos protegem como nos separam a levar-me a consciência para muros e tantas outras coisas que inventamos físicas ou virtuais para catalogar, para individualizar e ostracizar tudo ou todos que nos são - ou pensam de forma diferente.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

e eu ali, a ver e a ouvir

rimar

Acerca de um começo