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rimar

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Há momentos em que me apetece muito que os meus pensamentos rimem e, por vezes, tenho alguma dificuldade em controlar esta vontade. Observado através de uma lente psicopatológica, isto é capaz de sugerir um registo ansioso, com contornos obsessivo-compulsivos. Sentido por dentro e dito para fora, nada mais é do que uma vontade imensa de me sentir alegre. Não creio que seja, portanto, um recurso interno para gerir a angústia, uma tentativa de controlo do que está fora de mim, um mecanismo de defesa para manter o equilíbrio emocional. É, única e simplesmente, pura diversão. Gosto de rimas, gosto da melodia de algumas palavras quando cantam em conjunto com outras. Mais do que música para os ouvidos, gosto de rimas que musicam a minha cabeça. Fico bem disposta, o mundo parece-me mais colorido, os dramas mais leves, todas as coisas mais simples. A graça da desgraça. Amar sem respirar. Acreditar, ousar, saltar, confiar, voar, vibrar, regressar. A gargalhada de uma fada, no meio da crian

e eu ali, a ver e a ouvir

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Estavam sentados lado a lado, à minha frente. De repente, sem nada que o fizesse prever, viraram-se um para o outro e começaram a falar. Ele queria voar, ela queria enraizar. Ele queria descobrir, ela queria confirmar. Ele gostava de acreditar, ela preferia duvidar. Àquilo que ele chamava partilhar, ela chamava invadir e ao que ela chamava segurança, ele chamava monotonia.  A conversa continuou durante uma boa meia hora. A certa altura, as palavras endureceram na forma e no conteúdo. Calaram-se. Ela olhou para a esquerda, ele para a direita. E eu fiquei a pensar. Principalmente, na possibilidade de existir um ponto comum no caminho de duas pessoas tão diferentes. Ou, dito de outra forma, um breve instante de encontro entre uma pessoa que está prestes a partir e outra quase a regressar. (imagem de Grace Weston)

uma náusea ao fim da tarde

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Por hoje, só tenho isto a dizer: há algo de verdadeiramente enjoativo na forma como algumas pessoas proferem a expressão "minha querida ". Não sei se é o tom sério e solene a anunciar alguma coisa muitíssimo importante que vai ser dita e que, na verdade, não interessa a ninguém. Não sei se é a introdução complacente com que alguém acima da média explica o óbvio àquele que está abaixo da média. Talvez seja a introdução pegajosa de um conselho bondoso de alguém muito experiente para alguém muito ingėnuo. Não sei. Sei que fico enjoada. E para melhorar desta náusea, vou beber um chá de ervas e adoça-lo com o sorriso daquele bebé que há pouco estava no colo da mãe, à minha frente, na fila do supermercado. 

Arredondar

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Sair da caixa. Contornar esquinas, evitar ângulos obtusos. Fugir das arestas de um pensamento quadrado. Deslumbrar o olhar, adoçar os gestos, ignorar imposições pontiagudas que ferem a pele e o amor. Suavidade. Harmonia. Pensar e sentir redondo. Beleza. Porque as coisas mais belas do mundo são redondas. Tal como a barriga das grávidas ou o bolbo de tulipa que hoje me ofereceram e hei-de plantar, um destes dias, antes da primavera chegar. Sair da caixa fechada e quadrada. Arredondar. (escultura de Ans Vink)

Ser

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Há pessoas que têm muito, quase tudo. Há pessoas que têm pouco, quase nada. Todos o sabemos, todos convivemos com isto de modo mais ou menos indiferente. Se calhar é uma espécie de inevitabilidade da vida, isto do tudo-nada, uma tentativa de homeostasia para garantir a existência humana. Gostava mesmo que me explicassem isto, ainda não percebi muito bem.  Mas hoje o que quero mesmo é escrever sobre o ver bo ser, não como palavra para exprimir a existência, sim para reflexão sobre o sentido de pertença.  Porque me lembrei há pouco de algo que me ocorreu um destes dias. Há pessoas que não pertencem a ninguém. Já não são filhos e nunca foram pais de ninguém. Não são irmãos nem cunhados, não são colegas nem primos de ninguém, não são avós, já não são netos, não são alunos nem mestres, não são amigos, nem sequer vizinhos de ninguém. É como se, pura e simplesmente, tivessem sido colocados no mundo e aí existam, transparentes, dando passos sem deixar pegadas, expressando-se com palavras qu

Regresso

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Primeiro dia útil do ano. Começa tudo outra vez. Regresso à normal cadência do tempo, à rotina dos movimentos. Arrumo o traje de festa e visto a roupa da normalidade. Roupa quente, diga-se, porque está um frio arrepiante. O céu de nuvens cinzentas e paradas parece-me uma promessa de que vai nevar, o que seria bem provável se vivesse em terra de nevões. Não vai acontecer, mas era bom. A conversa com alguém fez-me lembrar que é tempo de definir objetivos, aproveitando o simbolismo da época. Faço-o todos os finais de ano, disciplinadamente, mas sem lhe dar um valor excessivo (tipo “se consegues és uma lutadora, se não consegues, és uma preguiçosa”), para evitar desilusões ou crises de auto-estima desnecessárias. Mas gosto de desejos, de desejar. Na passagem de ano, à meia-noite, comi as passas e formulei desejos. Nunca consigo a correspondência perfeita uva passa-desejo, porque as badaladas, as felicitações, os abraços e os brindes acabam sempre por me distrair. Normalmente resolvo o

Acerca de um começo

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Alguém me disse, em tempos, que dentro de mim existem andorinhas e que é o ninho do meu peito que as chama e faz ficar. Hoje, data simbólica, primeiro dia do ano, decidi que as eternas companheiras da minha primavera secreta vão aprender como se escreve a palavra  aventura . E tudo começa assim..  Hoje fugiu de mim uma andorinha. Respirou profundamente, sacudiu as asas sem acordar o peito onde tanto tempo dormiu e voou.